É preciso esclarecer desde já que este Black Mirror não está de forma alguma ligada à série de Netflix com o mesmo nome. Este é o remake de um jogo de 2003, uma aventura gráfica 'à antiga' com uma temática de terror que acabou por originar duas sequelas. Agora, modernizado, Black Mirror está disponível para PC, PS4, e Xbox One, por € 26.99.
Como os antecessores, Black Mirror está focado no clã Gordon, donos de antigo castelo gótico situado na Escócia. David Gordon, que viveu a maior parte da sua vida na Índia, foi notificado da morte do seu pai, e é obrigado a regressar para lidar com a herança do castelo. O jogo decorre em 1926, ao contrário do jogo original que se passava num tempo mais moderno, mas quando David chega ao castelo, é óbvio que o local já conheceu melhores dias. Para piorar a situação, a receção por parte do resto da família, e pelos empregados no castelo, não é a mais acolhedora, e em pouco tempo torna-se evidente que algo de errado se passa.
Não vamos partilhar mais pormenores específicos da estória, porque é um dos pontos fortes de Black Mirror, mas o jogo consegue transmitir com eficácia uma sensação de desconfiança e uma atmosfera sinistra. Não é fácil perceber quem é realmente um aliado, e isso tem influência nos diálogos que terão com as personagens - completos com opções para o jogador. Podem ser honestos, ou mentir, ou podem deturpar os factos, dependendo da vossa opinião das personagens, e é uma abordagem que funciona bem.
Num jogo de aventura, os puzzles são também bastante importantes, e na era dourada do género, ainda mais o eram. Era necessário um cuidadoso equilíbrio, de puzzles que oferecessem um desafio interessante ao jogador, mas sem serem injustos ou obtusos o suficiente para quebrarem o ritmo da aventura - isto numa altura em que a solução não estava ao alcance de uma pesquisa no google. Black Mirror não consegue atingir esse equilíbrio, ou pelo menos não totalmente. Um puzzle em particular, relativamente cedo no processo, empatou-nos durante várias horas, e só conseguimos avançar depois de experimentarmos várias soluções num processo de tentativa e erro.
Parece-nos que o jogo não terá sido devidamente testado com jogadores sem qualquer ligação ao projeto, porque existem momentos em que as pistas e as dicas do jogo são excessivamente subtis. Um bom puzzle é conseguido quando a solução requer pensamento e atenção, mas é importante que o jogador nunca duvide do que está a fazer, que nunca duvide se o que está a fazer é o percurso certo. Infelizmente existem vários casos deste género ao longo do jogo, e isso afetou imenso a nossa opinião de Black Mirror. Alguns puzzles pareceram autênticos bloqueios no nosso caminho, e não é isso que se pretende. Existem, contudo, alguns puzzles bastante bons, mas não o suficiente para conseguirmos perdoar o péssimo design de outros.
O design de alguns puzzles não é a nossa única queixa em relação a Black Mirror, já que a câmara e os controlos são também bastante fracos. Vão controlar David Gordon através de uma câmara lateral que segue a personagem, mas isso coloca a perspetiva em vários ângulos que bloqueiam a visão, como atrás de umas escadas ou de um pilar. Como não é um jogo de ação, que exija ações rápidas, não é grave, mas não deixa de ser um pouco incomodativo. Outro exemplo de mau design são as várias 'paredes invisíveis' que bloqueiam o progresso do jogador.
Isto acontece sobretudo dentro do castelo, e quando estão no exterior, o jogo tende a decorrer de forma menos frustrante. Também é neste momento que o jogo consegue puxar pelo seu músculo gráfico, e mostrar algumas vistas impressionantes. Graficamente, Black Mirror é bom, com grande detalhe ao nível do design do castelo e das suas divisões. A iluminação é naturalmente um dos pontos altos, já que o jogo vive bastante da atmosfera que apresenta. Ainda assim, algumas texturas apresentam linhas e pormenores que não pertencem lá, e que mais uma vez mostram um trabalho que não foi polido como deveria. Outro problema é a sincronização entre os lábios das personagens e as vozes, que nem sempre bate certo, e que nos retirou da imersão do momento.
Em relação ao som, contudo, não temos queixas. Os atores têm uma boa prestação a nível global, incluindo acentuados sotaques escoceses, e o facto das suas falas nem sempre coincidirem com as legendas em inglês, diz-nos que terão tido liberdade para improvisarem. A banda sonora em si não é memorável, mas cumpre a sua função nas ocasiões em que é chamada a intervir. Normalmente é subtil, como se quer num jogo com este tipo de ambiente, e funciona para intensificar as emoções de algumas cenas chave.
Por ter uma boa atmosfera e uma estória interessante, gostaríamos de recomendar Black Mirror, mas não o podemos fazer de consciência tranquila. Não sabemos se, ou como, a King Art pretende melhorar a experiência de jogo através de atualizações, mas se têm realmente interesse em Black Mirror, aconselhamos-vos a esperar por uma promoção. Por essa altura é provável que o jogo já tenha sido melhorado através de atualizações, ou pelo menos esperamos que sim.