Já tínhamos visto o suficiente da arte do jogo para ficármos curiosos. O conceito e o estilo Noir faziam de Contrast um jogo digital promissor, mas na verdade ainda não tínhamos tido nenhum contacto real com o jogo, antes de o arrancarmos no passado domingo.
Algumas horas depois, assistimos aos créditos, desiludidos. Sobretudo com a conclusão da história, que nos deixou com várias perguntas e nenhuma resposta clara. Mais grave, porém, é que durante essa tarde, percebemos que a excelente premissa de Contrast, que são as mecânicas e o mundo onde decorre o jogo, são arrastados por vários problemas técnicos.
Contrast já está disponível em vários formatos, mas decidimos jogá-lo na PlayStation 4, já que faz parte das ofertas inerentes ao serviço Plus. A estrutura pode ser definida como um jogo de aventura e puzzles na terceira pessoa, que nos coloca na pele de uma protagonista silenciosa e misteriosa. Será que é a representação do imaginário de uma jovem rapariga que é a sua constante companhia? Um ser especial que consegue alternar à vontade entre dois planos de existência? Ou um anjo com maquilhagem borrada?
O jogo utiliza uma estética inspirada no género de filmes Noir, completo com vários clichés e referências comuns. A mãe da rapariga é uma artista de um cabaré, com curvas a lembrar Jessica Rabbit. O seu pai é um vigarista, bem vestido e com o objetivo de realizar um último golpe proveitoso. Mas entre todas estas nuances do género Noir, existe um conceito genial por trás de Contrast: à excepção da rapariga e da mulher que controlam, todas as personagens são representadas apenas pelas suas silhuetas de sombras.
É uma escolha de design interessante, mesmo que possa parecer estranho. Mas este elemento a roçar o voyeurismo é também a base para a jogabilidade de Contrast: os aspetos interativos de luz e sombra. A vossa personagem (que eventualmente descobrem chamar-se Dawn), pode fundir-se contra uma parede ou uma superfície plana que esteja iluminada. Basta carregar num botão e instantaneamente transformam-se numa sombra, conseguindo interagir com as sombras de outros objetos. Com outro toque no botão abandonam a sombra 2D e regressam ao modelo 3D da personagem.
Este truque é apresentado nos primeiros minutos de jogo, mas os produtores vão acrescentando pormenores a bom ritmo: um movimento que permite passar através de sombras fininhas, ou até a capacidade para mudar a origem da luz (como projetores, candieiros e holofotes), de forma a diminuir, alargar ou simplesmente mudar a posição das sombras, criando novas plataformas. Eventualmente até podem levar objetos para o mundo das sombras.
Estas mecânicas são utilizadas de forma faseada, o que mantém a experiência interessante durante todo o jogo. Uma lanterna presa a uma bicicleta resulta numa série de engrenagens massivas na parede, suportadas por plataformas (os pedais). Outro exemplo brilhante é o modelo do sistema solar num planetário, que resulta num puzzle desafiante, enquanto tentam alinhar as sombras para mover um objeto.
Existem outras elaborações igualmente únicas e originais, que preferimos não estragar ao contá-las aqui, até porque a experiência é curta. Contrast é um jogo que merece ser experienciado, embora não seja um que possamos exatamente recomendar, devido a uma série de problemas evidentes.
O controlo sobre a protagonista não é perfeito, longe disso. Parece leve como uma pena, o que até funciona bem no mundo 2D das sombras. Contudo, no mundo "real", este controlo complica imenso a jogabilidade. Parece que Dawn está equipada com patins. Não existe qualquer sensação de peso no seu movimento e nos seus saltos. Este problema não chega a ser grave, já que a maior parte das secções de plataformas acontecem no mundo das sombras, mas prejudica a experiência.
Pior ainda, existem muitas animações defeituosas, onde objetos e a própria Dawn "deslizam" de forma a se ajustarem ao cenário. Um processo rude, sobretudo para os dias de hoje. E considerando que jogámos na versão de PlayStation 4, não deixa de ser estranho encontrar uma fluidez tão inconstante em Contrast. Possivelmente é o jogo com pior optimização no lançamento da PS4.
Quando à longevidade do jogo, é obviamente curta. Ou melhor, considerando que é um título digital, de baixo preço, a longevidade está dentro do que é esperado, mas gostaríamos de ter visto mais puzzles com as sombras. Os puzzles nunca são muito desafiantes e os colecionáveis estão quase sempre à vista, facilmente recolhidos e nunca incentivando à exploração.
Contrast termina de forma tão ambígua - e ambiciosa - como começa, mas sem o impacto de emoções que outros contemporâneos digitais alcançaram. É difícil afastar a sensação de que devia haver mais. Se estão dispostos a ultrapassar os controlos defeituosos e preferem um mistério a uma resposta clara, então podem vir a apreciar Contrast, mesmo considerando que o conceito e a execução nunca chegam a ser tão geniais como podiam ter sido.